segunda-feira, 11 de maio de 2009

Onde estou

Onde estou? Bem, eu estou à porta do mundo.
Na verdade estou sentado à mesa, a mesa está posta e eu aguardo companhia para o jantar, companhia essa que trará a comida para a mesa que preparei, para seis, mesa para seis… Mas não deixo de estar à porta do mundo, se quiser levanto-me e ao invés de esperar, vou-me, saio pela porta e passo pelo portão, ando ou corro e quando chegar ao cruzamento no fim da rua tenho o mundo à esquerda, à direita e em frente, e posso escolher, ou posso voltar para trás, para aquela mesa acolhedora.
O mundo está ali e eu estou sentado à mesa, eu sei que eles estão a chegar… sei também que o mundo vai continuar lá, e que se um dia não me apetecer ficar para jantar posso sair por esse mundo fora.

(texto antigo)

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Verão 78

Saio do escritório, são cinco horas da tarde, segunda-feira, 24 Julho de 1978, é o primeiro ano em que consigo um trabalho de verão decente, mas este fatinho mata-me com calor, estou no meio da passadeira em frente ao escritório, no refugio dos peões, enquanto espero pela boleia da Maria. A Maria é uma rapariga muito à frente para a nossa época, sempre achei, o estilo dela talvez ficasse bem num sítio como a Alemanha Ocidental ou assim, mas a verdade é que ali nas Avenida Novas de Lisboa desperta alguma atenção… mesmo no clima pós 25 de Abril que ainda se vive. Enquanto espero observo o autocarro verde de dois andares, com um anúncio da Nicola Cafés, que antes costumava apanhar para ir ter com o Rui, antes dele imigrar tínhamos o hábito de às segundas ir até São Sebastião ter com alguns amigos, a bela da nova nata como ele dizia, mas agora é Verão e junto dinheiro para as férias em Agosto, vejo a Maria a chegar no seu Mini amarelo.
“Entra, entra, ai! Que calor não é?
“Realmente, importas-te de passarmos pelo fim da Av. de Roma antes de irmos ter com eles? Queria tirar este fato.”
“Não claro que não, ainda é cedo, eles ainda devem demorar e a esplanada ainda deve estar cheia”
“Boa, HEY, cuidado, aquele condutor! APITA!!!”
“Apito? Oh mas… está bem.”
“Olha, passado tanto tempo não vale a pena, ele já não percebeu que era para ele… há coisas que só importam dizer no momento, é como apitares fora de tempo, perde todo o significado.”
“Sim, já se foi… deixa, já passou, já não tem importância.”
“Nenhuma…”

quarta-feira, 18 de março de 2009

Flor

Dizem que o bambu dá flor de 100 em 100 anos, podemos não viver para a ver, mas existe esperança. Outras plantas não dão flor e no entanto há quem espere por uma. Valerá a pena continuar a regar uma planta quando apenas um milagre poderá trazer uma flor?
Será um bambu ou uma planta sem flor? Valerá de algo esperar ou será essa espera infrutífera?
Sabes que não acredito em milagres e a não ser que me digam que é de facto um bambu, bem existem outras formas de vida por aí, não necessariamente vegetais. Talvez algo com um coração, algo que sacie a minha sede.




Eu? A publicar agora um texto com alguns meses.

terça-feira, 10 de março de 2009

Pontos

1º Não continuei a escrever no verso da folha que já se encontrava escrita, era a última folha do caderno, e talvez a mais especial, não fazia sentido, apesar de no verso se poder escrever o “contrário” eu não tenho o “contrário” para escrever, tenho tudo o resto. Na folha está escrito o que é bom, a vida, a adrenalina, a fuga, a liberdade, os risos. Mas o que tenho para escrever não é isso, nem o oposto, é simplesmente algo profundamente distante e de uma natureza completamente diferente, desde já me pergunto se devo continuar a escrever.

2º Não devia estar aqui! Se desse ouvidos a quem quer que fosse, não estaria aqui, ainda mais a esta hora, devia estar a caminho de casa.

3º Os carros passam por mim, mas desta vez é hora de ponta, ainda se demoram enquanto passam, buzinam e distingo-lhes as cores, vejo oito no meu campo de visão, sete cinzentos-escuros e pretos e um branco. Terá esta proporção reflexo no meu estado espírito, ou influenciará o meu estado de espírito a cor dos carros que passam? Bem, vem lá um azul, deve ser de escrever, dizem que ajuda.

4º O sol está a pôr-se e já começo a sentir frio.

5º Continuando a analogia da última vez em que escrevi sobre “carros a passarem por mim”, bem desta vez não me apetece ligar a ninguém. Podia ligar, mas não, não me apetece ficar aqui, ou sair daqui.

6º Não tenho mensagens no telemóvel.

7º Recusei-me a ir tomar café com um dos meus melhores amigos.

8ª Volto atrás no caderno, só para não escrever no verso da tal folha.

9º Questiono-me quais são as razões.

10º Devo escrever? Não. Penso que não, na verdade não me parece que consiga exprimir o que quer que seja, que me seja novo, útil ou eloquente.

11º Vejo as horas, apetece-me ficar a dormir neste banco de jardim, nem é um mau banco, não está velho, não me parece sujo, talvez seja uma boa ideia.

12º Devia continuar o meu caminho, não o caminho certo, mas o que já consigo aceitar para mim, não tão directo, não tão previsível, talvez envolva andar para trás.

13º Vejo motivos. Vejo o que não quero ver. Vejo e não sei como reagir, como escrever, como retratar. Não sei, não sei chorar, não sei chorar por mim.

14º Não, não acredito que tenha sido aquela porcariazinha a pôr me assim. É que às dezasseis horas estava bem, mas depois da porcariazinha… enfim, acho que vou continuar a escrever noutro sítio…

15º Tiro o caderno e continuo a escrever, estou a andar e a escrever, tudo porque no sítio onde estava, mas onde não devia estar, cheirava bem, talvez não seja um sítio assim tão mau, talvez quem me falou do sítio estivesse errado. Escrevo enquanto ando porque não sei se o meu caminho me leva a algum lado, como tal não sei se terá utilidade andar. Assim enquanto ando escrevo. Daí tira-se a questão: Para que escrevo? Deverei escrever?

17º Risquei o ponto 16º.

18º Deverei reduzir a minha vida a pontos? Talvez fosse melhor.

19º Acho que ou fazer algo que até algumas horas atrás proibia a mim mesmo.

20º Não vão saber o que é. Vou parar de escrever enquanto coiso e tal…

domingo, 8 de março de 2009

Interregno


Um poeta, um tema
Uma voz que te chama, um olhar que te toma.
De que é feito um poeta quando lhe tiram o tema?
De quem é o feito de perder?
O tema
Não um tema, mas o tema
O tema dos poetas
Apenas ele
Tão só
Tão completo,
Não fosse ele o que completa
A mim, a ele, a nós.
O poeta perde assim o tema
O tema era um
Agora o tema és tu
Tu e o tema são agora um
Fosse o tema o amor
E eu amava-te,
O tema é o amor
E eu amo-te.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

És o resto


Hoje vi uma foto que tirei sozinho, quando digo sozinho, digo porque foi num momento em que naquele sítio só nosso, não estavas lá, eu estava só. Foi no momento em que saíste, em que achei que te tinha perdido, foi no momento em que não percebi, em que me virei para o mar e tirei a foto, no momento em que me perdi em pensamentos dos quais não contavas, saíste de uma só vez e eu nem te vi sair. Mas mesmo que não tivesses saído, naquele momento eu estaria sempre só, porque tu não servias para um momento de reflexão e paz, naquele sol pálido, com o mar ao fundo. Estavas lá sempre comigo, mas era sempre diferente, sempre risos, sempre felicidade, sempre sonhos, sim, já sonhavas, eu já sonhava, mas tu sonhavas mais, sonhavas quando vias dois besouros, quando passeavas nas dunas, rebolavas na areia. Crescemos. Serei sempre o mais velho, sempre, mas depois de te perder, só quando te voltei a ter me apercebi do que foi estar sem ti. Não compreendo como não dei por saíres, como não te vi a chegares à falésia onde eu estava, como não te vi a olhares para mim e a voltares para trás. Agora tudo é diferente, tudo é paz, tudo é calmo, tudo é o que deve ser, ainda não és a pessoa das reflexões, a pessoa dos problemas, da paz, talvez nunca venhas a ser, mas és o resto, os risos, a alegria, o companheirismo. E já nos conhecemos a tanto tempo… crescemos juntos e tudo fez parte.

Não te vejo.

Não te vejo, estás longe. Não vejo o teu sorriso, as covinhas do teu rosto, o teu olhar tímido e malandro, o teu andar elegante e perdido… a tua figura, que nas mais belas ruas já faz parte da paisagem.
Deixei-te, ficaste longe de mim e no meio de tudo comecei a perder-te nos meus pensamentos. Agora não subo escadarias contigo, ou passo nas barreiras do metro, não foges da minha objectiva e não me… Estás longe, tão longe… mas quando penso que não podias estar mais distante alguém diz: “Sim, ele deixou o recado com…” e no fim da frase… o teu nome, “saio” do meu estudo, invades a minha cabeça como um vírus. O teu nome acorda-me e não me vai deixar concentrar. Como é que te tornas-te em algo concreto no meu meio, algo certo, que familiaridade é esta agora com os meus? Porque surge assim o teu nome, com tanta naturalidade, como se sempre lá estivesses? Mas não estás, estás longe. E eu, eu fujo de ti, fujo em Fevereiro, que seria nosso, fujo em Agosto que seria teu. E não sei, longe dos teus olhos, não sei se os teus olhos são ainda meus, se os meus são ainda teus.
Quero escrever, mas não sobre ti. Quero ver-te, estar contigo. Andar de mão dada, as nossas luvas, aquele frio… Imagino-te a chegares a casa, como quando te vi pela última vez, vinhas da biblioteca e disse-te:”adeus…….”.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Vampiro

Observo o alpendre, as minhas roupas cinzentas e desbotadas, a noite que me rodeia. Sei-o, tomo consciência que nada pode ser como antes. A luz da lua ilumina o que antes não via.
Lentamente, sozinha como um rio num deserto de emoções, cai a lágrima que derramei, vermelha, fria, escura e morta, naquele momento em que tomo consciência do que perdi, da vida que deixei, e não, não a deixei porque quis, não...
Afasto-me, afasto-me do que me tornava humano, do amor que tinha em vida e desapareço, caminho agora numa calçada cinza escura, feita de rectângulos regulares, todos iguais, todos frios, a neve acumula-se nos beirais da ponte que passo, as crianças trazem balões, as senhoras discutem as novidades, perco-me na montra de um alfarrabista. Escolho uma vítima, subo com ela as escadas, quando desço cruzo-me... contigo.
Sou frio, estranho, perigoso, mas tenho medo de ti. Do teu poder, do que trazes para a minha vida sem emoções. Perdido no meio do meu raciocínio lógico e metódico, enlouqueço por tua causa. Não percebes? Não é suposto eu sentir, não é suposto eu dar-te importância, por isso, não encares isso de uma forma leve.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Caminhavas comigo?


Arrasto-me. A pálida iluminação da igreja do lado direito apenas me deixa ver alguns metros de chão frio, sujo e negro. As portas e portões da igreja estão fechados, pelo menos para mim, continuo em frente, sigo pela mesma rua. Esta não lhe conheço o fim, não se cruza com qualquer outra e não me parece que vá dar a algum lugar. Prédios, altos, negros, cercam-me, escondem o céu. Tento apoiar-me numa parede, mas as algemas dificultam o descanso, olho para as correntes que me atam as pernas, prossigo, tenho de, preciso de.

Apareces, vens só e caminhas ao meu lado. Ajudas-me mas não me libertas, não o podes fazer. Seguimos juntos, pela rua que percebo agora tem um fim, não o vejo, mas sei-o. Sei porque ando, mas não sei porque me acompanhas. Surge alguém. Junta-se a nós, mas a rua só tem largura para dois. Vinhas comigo, mas ficaste para trás, olho-te, sei que estás na sombra, mas muito mais que a escuridão me impede de te ver, nos meus olhos, algo surgiu, que os toldou e tornou a escuridão diferente.

Quem caminha agora comigo liberta-me as pernas. Mas não as mãos, ajuda-me mas não consegue ajudar-me completamente. Atrás de nós segue quem antes me acompanhava. Chegamos a uma praça, uma pequena multidão aguarda-nos. Os olhos postos em mim. Cego na claridade caio. Sinto que me cercam, as luzes da praça julgam-me e desejo voltar para a rua escura, distingo rostos conhecidos. Quem vinha comigo aguarda, do lado esquerdo e do lado direito. Dois pares de olhos aguardam, esperam, sentimentos diferentes, quatro olhos, dois destinos, no meio fico quieto, mudo e sem reacção.

Oiço um gracejo, algo infantil, um choro, um riso, uma hesitação inocente, viro-me e vejo, pálida e translúcida, a imagem de uma criança. Parece-me feliz, ri para mim, vejo traços conhecidos, podia correr e abraça-la, como o coração me mandava, mas sei que terei tempo depois. Há esperança. Subitamente e com toda a certeza, levanto-me e caminho para ti. Escolho caminhar a teu lado.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Bienvenue sur ma vie!


Há ligações que não se perdem, que não se quebram. Uma senhora leva a filha pela mão e esta aponta de olhos arregalados:
– Maman! Maman!
– Oui, ma chéri?
– Reguarde, reguarde !
Aponta para a montra de Lafayette e puxa a mão da mãe para ver de perto, acabo de tirar a foto e afasto-me. Não sonhava que nessa noite, estas palavras me iriam ecoar enquanto fechava os olhos e desejava ler nas entrelinhas, passo por outras montras e esqueço.
Parece que foi ontem que te conheci. Espera, não… foi há dois dias. Janeiro, Fevereiro? Agosto. Como ela diz: “Ici tout le monde dit je t’aime, a tout le monde, a tês amies, a ta famille, a des autres". Bien, je t’aime deja un peut, alors. Bienvenue sur ma vie! Vous, elle, lui et l’autre.
Rabisco, rabisco e volto a rabiscar, porque o caderno tem linhas mas a vida não.
Faz-se um brinde, sobe o Tokay, a Coca-Cola e a Água, erguem-se votos de felicidade, de vida. O entrecôte arrefece, perco-me, tento evitar os teus olhos, oiço o piano e observo em redor. Saímos, passas pelo pianista, desces as escadas, Montmartre espera por nós. Peço-te para dançares comigo, os músicos de rua tocam incessantemente, os pintores desenham na penumbra dos candeeiros e tu afastas-te da multidão. Rimos e tu vens e juntas-te a nós. Metes-te com ela e ela diz para te meteres comigo. Dizes que te metes com quem conheces bem. “Ahah! É o João! Viens!”
Entramos no Sacré-Cœur. Entre os cânticos e o órgão, somos expulsos. “Respectez le sanctuaire!”, bem, eu sou expulso. Mas tu vens lá, e dizes com o teu sotaque e hesitação num português quase perfeito: “Mas não está bem! Não está bem e é parvo, não tinha de falar assim.”