segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Vampiro

Observo o alpendre, as minhas roupas cinzentas e desbotadas, a noite que me rodeia. Sei-o, tomo consciência que nada pode ser como antes. A luz da lua ilumina o que antes não via.
Lentamente, sozinha como um rio num deserto de emoções, cai a lágrima que derramei, vermelha, fria, escura e morta, naquele momento em que tomo consciência do que perdi, da vida que deixei, e não, não a deixei porque quis, não...
Afasto-me, afasto-me do que me tornava humano, do amor que tinha em vida e desapareço, caminho agora numa calçada cinza escura, feita de rectângulos regulares, todos iguais, todos frios, a neve acumula-se nos beirais da ponte que passo, as crianças trazem balões, as senhoras discutem as novidades, perco-me na montra de um alfarrabista. Escolho uma vítima, subo com ela as escadas, quando desço cruzo-me... contigo.
Sou frio, estranho, perigoso, mas tenho medo de ti. Do teu poder, do que trazes para a minha vida sem emoções. Perdido no meio do meu raciocínio lógico e metódico, enlouqueço por tua causa. Não percebes? Não é suposto eu sentir, não é suposto eu dar-te importância, por isso, não encares isso de uma forma leve.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Caminhavas comigo?


Arrasto-me. A pálida iluminação da igreja do lado direito apenas me deixa ver alguns metros de chão frio, sujo e negro. As portas e portões da igreja estão fechados, pelo menos para mim, continuo em frente, sigo pela mesma rua. Esta não lhe conheço o fim, não se cruza com qualquer outra e não me parece que vá dar a algum lugar. Prédios, altos, negros, cercam-me, escondem o céu. Tento apoiar-me numa parede, mas as algemas dificultam o descanso, olho para as correntes que me atam as pernas, prossigo, tenho de, preciso de.

Apareces, vens só e caminhas ao meu lado. Ajudas-me mas não me libertas, não o podes fazer. Seguimos juntos, pela rua que percebo agora tem um fim, não o vejo, mas sei-o. Sei porque ando, mas não sei porque me acompanhas. Surge alguém. Junta-se a nós, mas a rua só tem largura para dois. Vinhas comigo, mas ficaste para trás, olho-te, sei que estás na sombra, mas muito mais que a escuridão me impede de te ver, nos meus olhos, algo surgiu, que os toldou e tornou a escuridão diferente.

Quem caminha agora comigo liberta-me as pernas. Mas não as mãos, ajuda-me mas não consegue ajudar-me completamente. Atrás de nós segue quem antes me acompanhava. Chegamos a uma praça, uma pequena multidão aguarda-nos. Os olhos postos em mim. Cego na claridade caio. Sinto que me cercam, as luzes da praça julgam-me e desejo voltar para a rua escura, distingo rostos conhecidos. Quem vinha comigo aguarda, do lado esquerdo e do lado direito. Dois pares de olhos aguardam, esperam, sentimentos diferentes, quatro olhos, dois destinos, no meio fico quieto, mudo e sem reacção.

Oiço um gracejo, algo infantil, um choro, um riso, uma hesitação inocente, viro-me e vejo, pálida e translúcida, a imagem de uma criança. Parece-me feliz, ri para mim, vejo traços conhecidos, podia correr e abraça-la, como o coração me mandava, mas sei que terei tempo depois. Há esperança. Subitamente e com toda a certeza, levanto-me e caminho para ti. Escolho caminhar a teu lado.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Bienvenue sur ma vie!


Há ligações que não se perdem, que não se quebram. Uma senhora leva a filha pela mão e esta aponta de olhos arregalados:
– Maman! Maman!
– Oui, ma chéri?
– Reguarde, reguarde !
Aponta para a montra de Lafayette e puxa a mão da mãe para ver de perto, acabo de tirar a foto e afasto-me. Não sonhava que nessa noite, estas palavras me iriam ecoar enquanto fechava os olhos e desejava ler nas entrelinhas, passo por outras montras e esqueço.
Parece que foi ontem que te conheci. Espera, não… foi há dois dias. Janeiro, Fevereiro? Agosto. Como ela diz: “Ici tout le monde dit je t’aime, a tout le monde, a tês amies, a ta famille, a des autres". Bien, je t’aime deja un peut, alors. Bienvenue sur ma vie! Vous, elle, lui et l’autre.
Rabisco, rabisco e volto a rabiscar, porque o caderno tem linhas mas a vida não.
Faz-se um brinde, sobe o Tokay, a Coca-Cola e a Água, erguem-se votos de felicidade, de vida. O entrecôte arrefece, perco-me, tento evitar os teus olhos, oiço o piano e observo em redor. Saímos, passas pelo pianista, desces as escadas, Montmartre espera por nós. Peço-te para dançares comigo, os músicos de rua tocam incessantemente, os pintores desenham na penumbra dos candeeiros e tu afastas-te da multidão. Rimos e tu vens e juntas-te a nós. Metes-te com ela e ela diz para te meteres comigo. Dizes que te metes com quem conheces bem. “Ahah! É o João! Viens!”
Entramos no Sacré-Cœur. Entre os cânticos e o órgão, somos expulsos. “Respectez le sanctuaire!”, bem, eu sou expulso. Mas tu vens lá, e dizes com o teu sotaque e hesitação num português quase perfeito: “Mas não está bem! Não está bem e é parvo, não tinha de falar assim.”