quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Escamas e espinhos de obsidiana

(...) Binyamin deixou de sentir. A caruma começou a rarear sob os seus pés de andar leve, os arbustos deixaram de a rodear e viu-se na fronteira de uma praia muito diferente do que conhecia. Não havia dunas, o arvoredo terminava abruptamente num areal extremamente plano, o mar apenas respondia ao clamor do vento naquele estranho mundo privado de lua, mas com uma noite amenizada por uma infinidade de grandes estrelas, ou pequenas, ou simplesmente medianas, mas num céu em que mesmo as mais ínfimas eram absurdamente distinguíveis.

Na infinidade do seu espanto contornou uma dezena de pessoas silenciosas. Moviam-se, mas Binyamin, talvez pela quantidade de informação visual que o seu cérebro estava a processar, não as ouviu. Tudo lhe parecia de um silêncio atroz. No mar viu reflectidas as luzes douradas das velas que aquele grupo desorganizado segurava nas mãos e que contrastavam com o reflexo prateado das estrelas no mar escuro. Apercebeu-se de chegar ao mar sentindo a areia fria entre os seus dedos.

Sobressaltou-se com a interferência fria que se ouviu de um grande aparelho electrónico, um qualquer intercomunicador portátil de onde ouviu uma voz feminina, numa tristeza perdida, numa língua qualquer, perdida de esperança e que lhe pareceu tão distante. Foi quando os viu.

Dois jovens de cabelos curtos e claros, de calças de ganga escura e com os pés na areia, encontravam-se virados um para o outro sem espaço entre si. Um deles (o que Binyamin julgou mais baixo) encontrava-se com os braços dobrados em direcção ao próprio peito, segurando algo que o abraço apertado do outro rapaz não deixava adivinhar. Separaram-se no momento em que uma menina se agarrou à sua perna. Binyamin sentiu o frio da pequena mas por alguma razão não conseguiu desprender a atenção dos outros dois.

O mais baixo mostrava agora nas mãos o que antes não se conseguia ver, um pano escuro e baço que lhe fugia das mãos e que parecia envolver algo do tamanho de uma laranja. Ao deixar cair o pano revelou ao outro um objecto completamente negro. Aproveitando o desprender da menina, Binyamin aproximou-se e vislumbrou um objecto quase oval, coberto de placas semelhantes a escamas que lhe pareceram de obsidiana. Em determinados locais essas placas convergiam de forma a formar pequenos espinhos, reparou então que as mãos do rapaz mais baixo se encontravam repletas de cicatrizes recentes reflexo do seu profundo sentimento de cuidado e preocupação pelo objecto.

Binyamin recordaria sempre como o outro rapaz colocou as suas mãos junto às do primeiro e como juntos colocaram o objecto sobre a areia húmida. Binyamin percebeu que mesmo que as suas mãos estivessem livres de cicatrizes o objecto era igualmente dele. Juntos desprenderam-se de tudo.

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