1º Não continuei a escrever no verso da folha que já se encontrava escrita, era a última folha do caderno, e talvez a mais especial, não fazia sentido, apesar de no verso se poder escrever o “contrário” eu não tenho o “contrário” para escrever, tenho tudo o resto. Na folha está escrito o que é bom, a vida, a adrenalina, a fuga, a liberdade, os risos. Mas o que tenho para escrever não é isso, nem o oposto, é simplesmente algo profundamente distante e de uma natureza completamente diferente, desde já me pergunto se devo continuar a escrever.
2º Não devia estar aqui! Se desse ouvidos a quem quer que fosse, não estaria aqui, ainda mais a esta hora, devia estar a caminho de casa.
3º Os carros passam por mim, mas desta vez é hora de ponta, ainda se demoram enquanto passam, buzinam e distingo-lhes as cores, vejo oito no meu campo de visão, sete cinzentos-escuros e pretos e um branco. Terá esta proporção reflexo no meu estado espírito, ou influenciará o meu estado de espírito a cor dos carros que passam? Bem, vem lá um azul, deve ser de escrever, dizem que ajuda.
4º O sol está a pôr-se e já começo a sentir frio.
5º Continuando a analogia da última vez em que escrevi sobre “carros a passarem por mim”, bem desta vez não me apetece ligar a ninguém. Podia ligar, mas não, não me apetece ficar aqui, ou sair daqui.
6º Não tenho mensagens no telemóvel.
7º Recusei-me a ir tomar café com um dos meus melhores amigos.
8ª Volto atrás no caderno, só para não escrever no verso da tal folha.
9º Questiono-me quais são as razões.
10º Devo escrever? Não. Penso que não, na verdade não me parece que consiga exprimir o que quer que seja, que me seja novo, útil ou eloquente.
11º Vejo as horas, apetece-me ficar a dormir neste banco de jardim, nem é um mau banco, não está velho, não me parece sujo, talvez seja uma boa ideia.
12º Devia continuar o meu caminho, não o caminho certo, mas o que já consigo aceitar para mim, não tão directo, não tão previsível, talvez envolva andar para trás.
13º Vejo motivos. Vejo o que não quero ver. Vejo e não sei como reagir, como escrever, como retratar. Não sei, não sei chorar, não sei chorar por mim.
14º Não, não acredito que tenha sido aquela porcariazinha a pôr me assim. É que às dezasseis horas estava bem, mas depois da porcariazinha… enfim, acho que vou continuar a escrever noutro sítio…
15º Tiro o caderno e continuo a escrever, estou a andar e a escrever, tudo porque no sítio onde estava, mas onde não devia estar, cheirava bem, talvez não seja um sítio assim tão mau, talvez quem me falou do sítio estivesse errado. Escrevo enquanto ando porque não sei se o meu caminho me leva a algum lado, como tal não sei se terá utilidade andar. Assim enquanto ando escrevo. Daí tira-se a questão: Para que escrevo? Deverei escrever?
17º Risquei o ponto 16º.
18º Deverei reduzir a minha vida a pontos? Talvez fosse melhor.
19º Acho que ou fazer algo que até algumas horas atrás proibia a mim mesmo.
20º Não vão saber o que é. Vou parar de escrever enquanto coiso e tal…
2 comentários:
Gostei do "método de escrita", como ja te disse. :D
Às vezes é mesmo assim que dá vontade de escrever. Pintar um retrato com as palavras, de certa forma.
"não me apetece ficar aqui, ou sair daqui."
Ora aí está uma questao pertinente!
Se calhar eu também devia começar a escrever...
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