Dourado, castanho. A cor que temos na nossa imaginação, quando pensamos nas fotos que em pequenos vimos dos nossos avós jovens, aquele sépia amarelado pelos dias em que as rugas se instalaram. Sépia esse que prolongaria a vida.
É nessa cor que nos imagino. Juntos. Lado a lado, olhando em frente, preservados pelo enxofre, numa daquelas fotos que tirávamos uma vez por ano, em ocasião da visita do fotógrafo à vila. Estaríamos olhando sérios e fixamente a câmara, tentando ao máximo imortalizar a imagem de cada um. Nada revelaríamos. Quem hoje olhasse para a foto não saberia dizer porque nela apareceríamos juntos. Irmãos? Vizinhos cujas famílias tivessem juntado para poupar no investimento fotográfico? Se não soubesse gostava de pensar que era afilhado da tua mãe, ou o inverso, diverte-me pensar isso. Mas sei. E quando a tirámos, nesse momento de olhar perdido na grande objectiva, vendo o fotografo desaparecer numa sombra, soube, que um dia se voltasse a olhar a foto pensaria no dia em que te soube pela primeira vez.
Iria recordar quando entrei no teu quarto, não pela primeira vez, mas pela primeira vez em que realmente entrei, em que entrei só eu, e um eu completo, inteiro e pronto a perder-se. Tinha ficado tarde e fiquei para dormir. Quando sustive a respiração e empurrei a porta sentindo todos os ângulos das curvas talhadas na madeira, os meus pés no chão de tijoleira frio, vi o teu cabelo brilhar na luz pálida que já entrava pelas cortinas rendilhadas. Deitei-me, já dormias. Por vezes pensava ouvir-te, sentia-te acordado, mas estavas virado para o outro lado e não sabia. Acordei e estavas junto a mim, sem tocar, mas ali. Se me mexesse tocava-te, e como queria tocar... Estavas logo ali, junto a mim, a tua cabeça a rasar o meu peito. Demasiado perto naquela cama tão grande. Soube nesse dia que realmente te queria, e soube que se te tocasse te perdia. Ao acordar ficamos no silêncio, esperando.